Waldo Bravo

O artista que anteviu uma são paulo sem outdoors.

Waldo-Bravo-outdoorO sotaque chileno foi desaparecendo com a mesma velocidade com que os cabelos brancos foram surgindo: lentamente. O que continua imutável no artista plástico Waldo Bravo são suas concepções sobre sua arte e seu ofício. Ao ser perguntado se dá para viver de arte no Brasil, ele não titubeia: “Não dá, não!”.

Mesmo se desse, essa certamente não seria a principal motivação desse chileno de 46 anos, radicado em São Paulo desde 1980. Em suas próprias palavras, “Arte não é profissão, é vocação. Arte não traz alimento para o corpo; ela traz alimento para o espírito”.

E é essa voz interior, essa vocação, que impulsiona Bravo a vislumbrar novos caminhos, dentro dos infinitos caminhos da arte. Um desses vislumbres aconteceu há dois anos, quando Bravo imprimiu em dezenas de outdoors espalhados pela cidade as imagens que os próprios outdoors escondiam atrás de si. Se o seu trabalho serviu como inspiração para a lei “Cidade Limpa” do prefeito Gilberto Kassab, ele não sabe. Mas sabe que é contra a forma como a lei está sendo implementada.

Conheça um pouco mais desse artista visionário, lendo a entrevista que ele deu ao Morumbi.Net.

Morumbi.Net: Por que você resolveu fazer uma exposição com outdoors nas ruas de São Paulo?

Waldo Bravo: O outdoor foi a solução mais poderosa que achei para realizar esse projeto. Em 1935, René Magritte, na sua obra “A condição humana II” questionou a ambigüidade entre a paisagem real e a paisagem representada. Esse conceito, embora esteja muito bem representado nesse quadro, não é a realização dele, e sim, apenas a tradução figurativa desse pensamento, o qual permaneceu no plano das idéias. O sincronismo visual entre a paisagem real e a paisagem representada somente existe em obras sem autonomia, ou seja, em obras dependentes da relação posicional do espectador. A realização desse conceito somente é possível mediante uma expansão territorial, inserindo-o no convívio do nosso mundo. Para isso, é necessário abrir mão da idéia da autonomia na arte. Naquele tempo de Magritte, obras dependentes e relacionais não existiam, isso era impensável. A autonomia da arte era sagrada e não se falava na perda dela.

Waldo-Bravo-outdoor1Morumbi.Net: Qual foi o objetivo desse trabalho?

Waldo Bravo: Com esse projeto tentei questionar as interferências e as relações da imagem na paisagem, e da paisagem na imagem, ou seja, provocar uma reflexão sobre os limites da representação e seu campo de existência. Ao mesmo tempo, essas intervenções me proporcionaram a oportunidade de promover uma restauração poética da paisagem urbana de São Paulo. Embora grande parte da mídia tenha aproveitado o fato para utilizá-lo apenas para discutir a poluição visual na cidade.

Morumbi.Net: De quem você teve apoio para realizar esse projeto?

Waldo Bravo: O projeto Recortes Urbanos foi o trabalho mais complexo que já realizei. Envolveu muita gente, e somente foi possível graças ao apoio de empresas amigas tais como: Novelli Outdoors, Estúdio Marcio Sallowicz, Mega Artes, Gráfica Mattavelli, Consulado General do Chile, Meliá Office Park e Pratika. Foram dois anos de muito trabalho, o qual não deixou nenhum retorno financeiro para ninguém, nem para quem apoiou essa idéia, nem para mim. Porém deixou algo muito mais valioso: a realização pessoal e a satisfação de ver concretizado um projeto de grande impacto e altamente provocativo. E, por outro lado, também me deixou grandes amigos.

Morumbi.Net: Você acha que isso foi a causa da lei “Cidade Limpa?” Como você se posiciona em relação a essa lei?

Waldo Bravo: Não acredito que a minha intervenção urbana tenha gerado toda essa questão. O problema da poluição visual na cidade é antigo e muito mais abrangente do que apenas outdoors. Eu acho que essa questão deveria ser discutida num contexto mais amplo. Existem na cidade outras formas de poluição tanto ou mais graves que a poluição visual: A poluição do lixo nas ruas, a poluição sonora, a poluição do ar, a poluição das águas, etc. É claro que a poluição visual incomoda todo mundo, mas a maneira radical como está sendo tratada essa questão eu acho errada. Bastaria uma melhor regulamentação de zoneamentos e uma maior fiscalização, e não simplesmente acabar com um importante meio de comunicação da nossa sociedade, e com isso provocar o desemprego de milhares de pessoas.

Waldo-Bravo-outdoor2Morumbi.Net: Dá para viver de arte no Brasil?

Waldo Bravo: Não dá, não!… Arte não é profissão, é vocação. Arte não traz alimento para o corpo; ela traz alimento para o espírito.

Waldo Bravo, pai de dois filhos e morador do Morumbi, onde dá aulas de arte contemporânea em seu ateliê, nasceu na cidade de Constitución, Chile, em 16 de maio de 1960. Em 1981, se formou em Desenho Técnico e Projetos no Instituto Nacional de Capacitação Profissional em Santiago no Chile e entre os vários cursos que fez se destaca o de Fotografia na Escola Superior de Propaganda e Marketing em São Paulo.

Bravo tem em seu currículo onze exposições individuais, quatro bienais, várias exposições coletivas e coleciona prêmios importantes, entre eles o prêmio Unesco de Fomento às Artes em Paris e o de Condecoração ao Mérito Cultural da Ordem Gabriela Mistral, outorgada pelo governo do Chile em 1993.

O artista tem obras em acervo no Museo Nacional de Arte de Bolívia em La Paz, no MACC (Museu de Arte Contemporânea de Campinas), e no Museu de Arte de Santo André em São Paulo. Em 1997, publicou o livro Signografia Arqueo-Urbana, que foi assinado pelo crítico Paulo Klein e editado pelo Escritório Brasileiro de Artes – EBART em São Paulo.

Mais informações sobre a obra de Waldo Bravo podem ser encontradas no site www.waldobravo.com.br.

“Arte não é profissão, é vocação. Arte não traz alimento para o corpo, ela traz alimento para o espírito”. (Waldo Bravo)

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